segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Eleições gerais em Espanha (20.dez.2015)

As eleições para as Cortes Gerais, realizadas em Espanha em 20.dez.2015, criaram uma relação de forças claramente diferenciada do bipartidarismo existente desde 1977, quando se realizaram as primeiras eleições gerais livres em Espanha desde 1936.

A crise económica de 1981 originou uma reconversão industrial em Espanha, com o desmantelamento de grande parte da sua indústria pesada e provocando um crescimento do peso do setor dos serviços na economia.

No final do século XX, surgiu em Espanha um período (1998-2008) de borbulha imobiliária que levou a que o emprego dependesse grandemente do setor de construção. Os preços do imobiliário aumentaram 
Fonte: www.es.wikipedia.org 
desmesuradamente em relação ao nível de vida, aumentando enormemente a dívida privada em Espanha. Os empréstimos hipotecários concedidos ultrapassavam nessa altura 80% do valor do imóvel a adquirir.

Com a crise económica mundial de 2008, a borbulha especulativa rebentou. O valor dos imóveis caiu e o valor destes tornou-se por vezes inferior à dívida ainda existente, dívida que os compradores eram por vezes incapazes de satisfazer. Como a venda do imóvel não permitia saldar a hipoteca, e como as entidades bancárias deixaram de aceitar a dação do imóvel como pagamento, as famílias ficaram em alguns casos sem a propriedade e 

continuando endividadas no restante da dívida. Calcula-se que em 2014 existiam ainda 700.000 hipotecas em possível situação de insolvência (hipotecas submergidas).

Esta crise económica de 2008 teve como efeitos principais em Espanha, além de uma crise imobiliária, a nacionalização de numerosas caixas de crédito falidas, ajudas públicas a outras entidades bancárias e um enorme aumento dos despejos. E ainda um enorme desemprego (que sobe de 9%, em 2007, para 26% em 2012), conjugado com uma diminuição das contribuições fiscais e aumento de gastos no setor social.
Zapatero (PSOE 2004-2011) e Rajoy (PP 2011-2015) tentam controlar a crise interna através de cortes orçamentais, mas a crise vai-se agudizando e tomando sucessivamente contornos sociais e institucionais que começam a pôr em causa o território do Estado e as suas instituições políticas. Aumenta a conflitualidade social, a pobreza e a desigualdade. Em dezembro de 2013 o diário britânico The Economist publicou um estudo que afirmava que a conflitualidade em Espanha se assemelhava à da Bulgária e Portugal e só era na Europa superada pela da Grécia.

Esta conflitualidade acabou por se corporizar politicamente no Podemos, que se apresentou oficialmente em janeiro de 2014 e se legalizou como partido político dois meses depois. Advogava a revogação da alteração de 2011 ao artigo 135 da Constituição (“El Estado y las Comunidades Autónomas no podrán incurrir en un déficit estructural que supere los márgenes establecidos, en su caso, por la Unión Europea para sus Estados Miembros“), a aplicação plena do artigo 128 da Constituição (“Toda la riqueza del país en sus distintas formas y sea cual fuere su titularidad está subordinada al interés general”), a assunção pelo Estado do caráter público da educação e da saúde, a criação de habitação social, a aplicação retroativa da dação em pagamento no caso dos imóveis com prestações da dívida em atraso, a oposição a alterações restritivas à lei do aborto, a revogação das leis sobre a imigração, a saída de Espanha da NATO e a realização de um referendo na Catalunha sobre a sua independência.

Entretanto, em 2006, com origem num grupo de intelectuais de Barcelona que se opunham ao nacionalismo catalão, é fundado o Ciudadanos. E a partir de 2014, numa estratégia de implantação nacional, tirando partido da falência das políticas do partido no poder (PP), começa a incorporar uma série de organizações políticas por toda a Espanha.

Embora desde 1977 a cena política espanhola tenha sido dominada por dois blocos, conservador e socialista, que se têm revezado no poder sempre em governos monocolores, embora por vezes minoritários,
Fonte: www.es.wikipedia.org

estas eleições de 20.dez.2015 vieram alterar este domínio bipartidário:

                                  2011                                                        2015

Os 350 eleitos para o Congresso dos Deputados ficaram assim distribuídos:
EH Bildu
2
ERC
9
UP
2
Podemos
69
PSOE
90
Ciudadanos
40
PP
123
PNV
6
DyLib
8
CCanaria
1

A reunião de constituição do novo Congresso será a 13 de janeiro de 2016, com o juramento dos deputados, a formação da Mesa e a eleição do Presidente do Congresso. Seguir-se-á a formação de grupos parlamentares e a eleição dos respetivos líderes parlamentares.

No Congresso dos Deputados, um mínimo de 15 deputados podem formar um grupo parlamentar, ou as formações políticas com um mínimo de 5 deputados e que representem 15% dos votos das circunscrições a que se apresentaram ou 5% da votação nacional. A interpretação desta norma pela Mesa do Congresso tem sido relativamente flexível, pelo que neste momento os partidos com menor representação (UP, EH Bildu e Coalición Canaria) tentam um acordo para a formação de um grupo parlamentar que lhes dê visibilidade e meios financeiros.

O Presidente do Congresso entregará depois ao Rei a lista de líderes dos grupos parlamentares, que serão consultados com vista à publicação de decreto do Rei, referendado pelo Presidente do Congresso, em que é investido como candidato a Presidente do Governo um cidadão (cerca de 18 de janeiro).

É então convocado um debate de investidura no Congresso, em que o candidato a Presidente do Governo apresenta o Programa de Governo e pede uma moção de confiança ao Congresso dos Deputados.

Na votação da moção (nominal e pública),
                - se se verificar uma maioria absoluta de votos a favor,
- o candidato é aceite como Presidente do Governo;
- senão, haverá nova votação 48 horas depois;
- se se verificar uma maioria absoluta ou simples (mais votos a favor que contra),
- o candidato é aceite como Presidente do Governo;
- senão, o Presidente do Congresso deverá levar ao Rei os resultados obtidos no Congresso e o Rei poderá propor outro candidato a Presidente do Governo.

Passados 60 dias da primeira votação, se ainda não tiver sido aprovado um candidato a Presidente do Governo, as Cortes Gerais são dissolvidas e serão marcadas novas eleições.

Com a atual correlação de forças no Congresso, que hipóteses existem?

1. O PP poderá formar Governo, se:
- de Ciudadanos, PSOE e Podemos, 2 destas formações se abstiverem ou votarem a favor;
2. O PSOE e Podemos poderão formar Governo se:
- fizerem um acordo parlamentar com os independentistas catalães, ou
- Ciudadanos se abstiver;
3. Haverá eleições em abril de 2016, se se não formar Governo até final de março.

Carlos Galrão
03.jan.2016