As eleições para
as Cortes Gerais, realizadas em Espanha em 20.dez.2015, criaram uma relação de
forças claramente diferenciada do bipartidarismo existente desde 1977, quando
se realizaram as primeiras eleições gerais livres em Espanha desde 1936.
A crise
económica de 1981 originou uma reconversão industrial em Espanha, com o
desmantelamento de grande parte da sua indústria pesada e provocando um
crescimento do peso do setor dos serviços na economia.
No final do século
XX, surgiu em Espanha um período (1998-2008) de borbulha imobiliária que levou
a que o emprego dependesse grandemente do setor de construção. Os preços do
imobiliário aumentaram
Fonte: www.es.wikipedia.org
desmesuradamente em relação ao nível de vida, aumentando
enormemente a dívida privada em Espanha. Os empréstimos hipotecários concedidos
ultrapassavam nessa altura 80% do valor do imóvel a adquirir.
Com a
crise económica mundial de 2008, a borbulha especulativa rebentou. O valor dos
imóveis caiu e o valor destes tornou-se por vezes inferior à dívida ainda
existente, dívida que os compradores eram por vezes incapazes de satisfazer.
Como a venda do imóvel não permitia saldar a hipoteca, e como as entidades
bancárias deixaram de aceitar a dação do imóvel como pagamento, as famílias
ficaram em alguns casos sem a propriedade e
continuando
endividadas no restante da dívida. Calcula-se que em 2014 existiam ainda
700.000 hipotecas em possível situação de insolvência (hipotecas submergidas).
Esta crise económica
de 2008 teve como efeitos principais em Espanha, além de uma crise imobiliária,
a nacionalização de numerosas caixas de crédito falidas, ajudas públicas a
outras entidades bancárias e um enorme aumento dos despejos. E ainda um enorme
desemprego (que sobe de 9%, em 2007, para 26% em 2012), conjugado com uma
diminuição das contribuições fiscais e aumento de gastos no setor social.
Zapatero
(PSOE 2004-2011) e Rajoy (PP 2011-2015) tentam controlar a crise interna
através de cortes orçamentais, mas a crise vai-se agudizando e tomando sucessivamente
contornos sociais e institucionais que começam a pôr em causa o território do
Estado e as suas instituições políticas. Aumenta a conflitualidade social, a
pobreza e a desigualdade. Em dezembro de 2013 o diário britânico The Economist publicou um estudo que
afirmava que a conflitualidade em Espanha se assemelhava à da Bulgária e
Portugal e só era na Europa superada pela da Grécia.
Esta
conflitualidade acabou por se corporizar politicamente no Podemos, que se apresentou oficialmente em janeiro de 2014 e se
legalizou como partido político dois meses depois. Advogava a revogação da
alteração de 2011 ao artigo 135 da Constituição (“El Estado y las Comunidades Autónomas no podrán incurrir en un déficit
estructural que supere los márgenes establecidos, en su caso, por la Unión
Europea para sus Estados Miembros“), a aplicação plena do artigo 128 da
Constituição (“Toda la riqueza del país
en sus distintas formas y sea cual fuere su titularidad está subordinada al
interés general”), a assunção pelo Estado do caráter público da educação e da
saúde, a criação de habitação social, a aplicação retroativa da dação em
pagamento no caso dos imóveis com prestações da dívida em atraso, a oposição a
alterações restritivas à lei do aborto, a revogação das leis sobre a imigração,
a saída de Espanha da NATO e a realização de um referendo na Catalunha sobre a
sua independência.
Entretanto,
em 2006, com origem num grupo de intelectuais de Barcelona que se opunham ao
nacionalismo catalão, é fundado o Ciudadanos.
E a partir de 2014, numa estratégia de implantação nacional, tirando partido da
falência das políticas do partido no poder (PP), começa a incorporar uma série
de organizações políticas por toda a Espanha.
Embora desde 1977
a cena política espanhola tenha sido dominada por dois blocos, conservador e
socialista, que se têm revezado no poder sempre em governos monocolores, embora
por vezes minoritários,
Fonte: www.es.wikipedia.org
estas
eleições de 20.dez.2015 vieram alterar este domínio bipartidário:
2011 2015
Os 350
eleitos para o Congresso dos Deputados ficaram assim distribuídos:
EH Bildu
|
2
|
ERC
|
9
|
UP
|
2
|
Podemos
|
69
|
PSOE
|
90
|
Ciudadanos
|
40
|
PP
|
123
|
PNV
|
6
|
DyLib
|
8
|
CCanaria
|
1
|
A reunião de
constituição do novo Congresso será a 13 de janeiro de 2016, com o juramento
dos deputados, a formação da Mesa e a eleição do Presidente do Congresso.
Seguir-se-á a formação de grupos parlamentares e a eleição dos respetivos
líderes parlamentares.
No Congresso
dos Deputados, um mínimo de 15 deputados podem formar um grupo parlamentar, ou
as formações políticas com um mínimo de 5 deputados e que representem 15% dos
votos das circunscrições a que se apresentaram ou 5% da votação nacional. A
interpretação desta norma pela Mesa do Congresso tem sido relativamente
flexível, pelo que neste momento os partidos com menor representação (UP, EH
Bildu e Coalición Canaria) tentam um acordo para a formação de um grupo
parlamentar que lhes dê visibilidade e meios financeiros.
O Presidente
do Congresso entregará depois ao Rei a lista de líderes dos grupos parlamentares,
que serão consultados com vista à publicação de decreto do Rei, referendado
pelo Presidente do Congresso, em que é investido como candidato a Presidente do
Governo um cidadão (cerca de 18 de janeiro).
É então
convocado um debate de investidura no Congresso, em que o candidato a Presidente
do Governo apresenta o Programa de Governo e pede uma moção de confiança ao
Congresso dos Deputados.
Na votação da moção (nominal e pública),
-
se se verificar uma maioria absoluta de votos a favor,
-
o candidato é aceite como Presidente do Governo;
-
senão, haverá nova votação 48 horas depois;
-
se se verificar uma maioria absoluta ou simples (mais votos a favor que
contra),
-
o candidato é aceite como Presidente do Governo;
-
senão, o Presidente do Congresso deverá levar ao Rei os resultados obtidos no
Congresso e o Rei poderá propor outro candidato a Presidente do Governo.
Passados 60
dias da primeira votação, se ainda não tiver sido aprovado um candidato a
Presidente do Governo, as Cortes Gerais são dissolvidas e serão marcadas novas
eleições.
Com
a atual correlação de forças no Congresso, que hipóteses existem?
1.
O PP poderá formar Governo, se:
-
de Ciudadanos, PSOE e Podemos, 2 destas formações se abstiverem ou votarem a
favor;
2.
O PSOE e Podemos poderão formar Governo se:
-
fizerem um acordo parlamentar com os independentistas catalães, ou
-
Ciudadanos se abstiver;
3.
Haverá eleições em abril de 2016, se se não formar Governo até final de março.
Carlos Galrão
03.jan.2016
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