Vale a pena neste momento, talvez, recordar um
artigo de João Cravinho dado à estampa no Público de 24 de fevereiro de 2015,
intitulado “As ilusões da ortodoxia oficial:
competitividade e modelo de crescimento”.
Começava o artigo por dizer que “O desenvolvimento do processo que nos levará
ao crescimento continua enredado numa série de ilusões desligadas da realidade.”
Resumindo, o que João Cravinho nos diz sobre essas
ilusões que a ortodoxia oficial nos tenta transmitir?
A mãe de
todas as ilusões é que “a austeridade é um grande êxito”.
Ora, segundo João Cravinho, uma austeridade
prolongada por 20 anos (tal como exigido no Tratado Orçamental) torna
praticamente impossível o alcance do crescimento de que o país precisa.
A segunda
grande ilusão é que “as reformas estruturais assegurariam a competitividade
futura das empresas portuguesas”.
Diz João Cravinho que a solução para a falta de
competitividade empresarial não está no corte de salários e na
desregulamentação do mercado de trabalho, e que a ênfase oficial nos custos
unitários de trabalho e na competitividade-preço só serve para justificar
transferências regressivas de rendimento. Na verdade, segundo diz:
·
Em operações concretas de exportação, o que é
determinante é a capacidade competitiva da empresa, em si mesma.
·
Há que considerar fatores de competitividade
pela inovação e pela qualidade em interação com a diferenciação das
preferências dos compradores.
·
Os custos unitários de trabalho a nível agregado
nacional são péssimos indicadores de competitividade.
Ou seja, em vez de se propor cortes de salários
dever-se-ia insistir na necessidade de fazer crescer a produtividade:
a) As nossas empresas estão em concorrência com
empresas da China e outros países asiáticos, em relação aos quais não faz
sentido competir em termos de custos salariais.
b) A competitividade ao nível das empresas é
determinada pelo nível e perfil estrutural da sua produtividade.
c) A política de crescimento da produtividade e da
competitividade tem de ser desenhada especificamente em função de alvos
empresariais também especificamente identificados.
A terceira
grande ilusão é que “podemos crescer segundo um modelo puxado pelas
exportações, ao mesmo tempo que a austeridade comprime a procura interna”.
Mas, diz João Cravinho:
· As bases microeconómicas para um crescimento
impulsionado essencialmente pelas exportações levarão uma boa dezena de anos a
ser construídas. Entretanto, o crescimento adequado da procura interna é
imprescindível para que Portugal possa crescer e criar emprego.
· Um modelo de crescimento puxado pelas
exportações só poderá ter futuro se se basear na generalizada competitividade
pela qualidade, de acordo com padrões de nível europeu.
Ora a qualidade
das exportações portuguesas está em queda acentuada desde 1999. Progredimos,
mas abaixo da progressão da média da qualidade na União Europeia: entre 1999 e
2011 a qualidade das exportações de Portugal em função da qualidade média das
exportações dos estados-membros para a UE27 teve uma queda de 25%, a maior
queda na EU. Entre 2007 e 2011, a distribuição das nossas exportações segundo a
qualidade sofreu um forte enviesamento regressivo: reforçámos a concentração
nas exportações de baixa qualidade e a penalização é significativa. Houve uma
queda de qualidade média igual a 10%, que corresponde a uma descida de preço
igual a 5%.
Ao contrário do
que sucedeu com Portugal e Espanha, a quase totalidade dos países da Europa
Central e do Leste têm registado um vigoroso crescimento da qualidade das suas
exportações. Um sério aviso para Portugal: não só os países mais avançados
estão a alargar o fosso que nos separa deles, como estamos a ser ultrapassados
pelos países da Europa Central e do Leste, onde está em marcha um poderoso
processo de upgrading qualitativo,
que tornará mais difícil no futuro o nosso acesso a mercados europeus de
produtos de média-alta qualidade. Portugal está em risco muito considerável de
ser despromovido para a III Divisão europeia no que toca à qualidade das suas
exportações.
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Portanto, sobre o êxito da austeridade, sobre a
competitividade baseada na desregulamentação do mercado de trabalho, sobre o
crescimento baseado nas exportações, estamos conversados. São ilusões.
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