No passado dia 21 de junho o solstício de verão foi assinalado em Sintra com uma visita e conferência do prof. Cardim Ribeiro no romano (depois árabe, depois manuelino) templo ao Sol e à Lua descoberto em 2007 na Vigia, Praia Pequena, um sítio mágico.
No site Portugal Romano encontramos um excelente rtiugo sobre este santuário -
Santuário Romano ao “SOLI ET
LUNAE” (Praia das Maçãs, Colares)
Monumental Santuário
Romano
do Sol e da Lua
Sítio Arqueológico do Alto da
Vigia
Introdução
Remontam
a 1505 as primeiras referências ao santuário, que é visitado ao longo do século
XVI e seguintes. Progressivamente encoberto pelas dunas e perdidas, dele apenas
restava o seu registo escrito e um desenho da autoria de Francisco d’Ollanda.
Em
2008 durante uma intervenção arqueológica levada a cabo pela equipa do Museu
Arqueológico de São Miguel de Odrinhas foi possível identificar finalmente a
sua localização.
O
recinto circular do santuário (que talvez se tratasse de um templo, um simples
témenos, ou espaço sagrado ao ar livre) erguia-se sobre uma elevação rochosa
que avançava pelo mar, até aos40 metros de altitude, e que assim constituía um
pequeno promontório.
O «LUNAE MONS, PROMONTORIUM» – Foto de Raul
Losada
Deste
importante santuário romano da região de Colares, consagrado a SOLI ET
LUNAE, provém importantes inscrições. Ptolomeu situa –o a noroeste de Olisipo o
«LUNAE MONS, PROMONTORIUM»
Historiografia do sítio arqueológico
As
primeiras informações que nos falam da existência de um santuário romano junto
à foz do Rio das Maças, no lugar denominado Alto da Vigia, são da autoria
de Valentim Fernandes, em 1505; e de Francisco d’Ollanda, por volta de 1541.
Este autor inclui na sua obra “Da Fábrica que falece à cidade de Lisboa” o
desenho das estruturas que então terá conseguido observar e que pertenceriam ao
santuário romano.
Desenho das estruturas da autoria de Francisco
d’Ollanda
A
identificação daquelas ruínas no século XVI corresponde à primeira descoberta
arqueológica feita em Portugal. A importância do local foi largamente
reconhecida na época, passando a ser ponto de visita obrigatória para os
eruditos, portugueses e estrangeiros, durante o Renascimento.
Entre
os ilustres visitantes que acorreram ao local, destaca-se a presença de
Francisco d’Ollanda e de André de Resende, mas também de elementos da família
Real, nomeadamente do Rei D. Manuel I e, mais tarde, do Infante D. Luís, irmão
de D. João III.
Tais
descrições indicam que o sítio terá permanecido visitável durante quase todo o
século XVI, altura a partir da qual as estruturas terão, a pouco e pouco,
deixado de estar visíveis, contribuindo desta forma para uma certa confusão
relativamente à sua localização precisa.
Apesar
de tudo, a memória de um santuário romano no litoral sintrense permaneceu.
Os
vários estudos e trabalhos científicos recentemente desenvolvidos acabariam por
apontar para um pequeno outeiro sobranceiro à Praia das Maçãs, onde ainda hoje
se conservam os micro-topónimos Alto da Vigia e Alconchel.
Localização do Santuário do Sol e da Lua em Imagem
Google Earth
Foi
precisamente nesse pequeno promontório, na margem esquerda daquela Ribeira, que
a equipa do Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas iniciou uma
intervenção em 2008, junto das estruturas de uma torre de facho de época
Moderna que ainda se encontravam parcialmente visíveis.
Intervenção
junto das estruturas com inscrição in situ reaproveitada no Ribat, foto do
Museu arqueológico de São Miguel de Odrinhas
A
intervenção arqueológica levada a cabo pela equipa do Museu Arqueológico de São
Miguel de Odrinhas permitiu confirmar a existência naquela zona de um santuário
romano monumental, bem como a caracterização dos alicerces parcialmente visíveis
como sendo pertencentes a uma torre de facho dos inícios do século XVI.
Intervenção junto das estruturas com inscrição in situ
reaproveitada no Ribat, foto do Museu arqueológico de São Miguel de Odrinhas
Nas
escavações foi recuperada uma nova inscrição que atesta a importância do local,
dedicada ao Sol e ao Oceano por um Procurador dos Augustos e sua família. Para
além daquela ara e de uma inscrição funerária da época de Augusto – ou seja,
anterior ao próprio santuário – foram recolhidos outros elementos
arquitectónicos romanos com alguma monumentalidade, nomeadamente uma imposta
moldurada, fragmentos de coluna, de ara e grandes blocos de construção.
O Santuario Romano do Sol e da Lua
A
importância do santuário na época romana está reflectida no facto dos votos
conhecidos até agora, expressos pela saúde do imperador e eternidade do
Império, serem colocados não por devotos particulares, nem sequer pelas elites
locais ou provinciais, mas apenas por detentores de altos cargos imperiais,
nomeadamente governadores da Lusitânia ou legados do Imperador, embora por
vezes através do senado de Olisipo, município em cujo território se localizava
este santuário.
Sítio Arqueológico do Alto da Vigia – Foto de
Raul Losada
O
achado é descrito pela primeira vez por Valentim Fernandes, «O Móravio». No seu
texto, em duas cartas, são referidas “tres colunas de pedra cortadas em forma
de prisma, com uma grande quantidade de letras(…) incisa nos respectivos
pedestais.” e relato de uma forte estrutura à qual tais lapides se encontravam
presas.
O
conteúdo original desses monumentos epigráficos é-nos transmitido por outros
autores e correspondem a três aras consagradas respectivamente a Soli
et Lunae, Soli Aeterno Lunae e Soli Aeterno (Cil II 258, Cil II 259,Cardim
Ribeiro,1994 p.86-87 e fig.4-5).
Os
dedicantes são exclusivamente Legados e procuradores imperiais na província da
Lusitânia:
Tigidius (ou Tuldicius) Perenis – Legatus Augusti pro
praetore pronvinciae Lusitaniae
Valerius (ou Iunius, ou Iulius) Coelianus – Legatus Augustorum
C. Iulius C. F. Quir. Celsus – Procurator provinciae
Lusitaniae
A
análise efectuada por Cardim Ribeiro ao conteúdo epigráfico dos monumentos
citados permite situar uma datação aproximada.
A
Ara de T. Perenis pela atribuição singular de Legatus Augustus,
ou seja, legado de um só Augusto, deverá situar-se no período do
Imperador Cómodo (176 d.C. – 192 d.C.) ou nos primeiros tempos de Septímio
Severo (180 d.C. – 198 d.C.) antes da proclamação de Caracala como Augustus. A
sua atribuição também é possível supô-la posterior a Septímio Severo e Geta e
contemporânea ao governo exclusivo de Caracala (212 d.C. – 217 d.C.)
A
ara de Valerius (ou Iunius, ou Iulius) Coelianus é a única onde se declara a
razão do voto, invocando explicitamente a o Sol Eterno e a Lua «em
favor da eternidade do Império e da saúde (Salus)» de Septímio Severo, de
Caracala, de Geta e de Julia Domna.
Os
elementos textuais da Ara permitem situar entre 200 d.C. e 209 d.C.
As referências epigráficas ao titulo Pius conferido e Caracala (200 d.C.)
e de Augustus a Geta (209 d.C.) e que não surge ainda neste monumento.
A
Ara de C. Iulius Celsus aponta aparentemente para o termo da época dos
Antoninos, talvez mesmo para finais do século II d.C., embora a menção, ainda
incerta, à Dacia Superior, iria recuar a sua datação para antes de 158d.C. ano
em que a organização bipartida, Dacia Superior e Inferior, se viu substituída
por três novas subdivisões, Dacia Apulensis, Porolissensis e Malvensis.
Ara de C. Iulius Celsus dedicada ao Sol e ao Oceano,
hoje conservado e exposto no Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas.
Os
três monumentos votivos apareceram em 1505, entre ruínas então postas a
descoberto junto à foz do Rio de Colares, no litoral sintrense (cfr.
Apianus/Amantius, 1534, fl. II). As aras propriamente ditas, recolhidas em
estabelecimentos religiosos de Sintra e Colares, desapareceram entretanto, o
mesmo não aconteceu ao terceiro monumento, foi redescoberto por Félix Alves
Pereira (1914, pp. 352-353) em 1907, reutilizado como material de construção na
ermida São Miguel de Odrinhas – tendo sofrido, para o efeito, a
mutilação não só do respectivo capeamento mas, também, de grande parte das
letras da linha 1. Encontra-se hoje conservado e exposto no Museu Arqueológico
de São Miguel de Odrinhas.
Nas
recentes escavações foi encontrada uma nova inscrição que atesta a importância
do local, sendo dedicada ao Sol e ao Oceano por um Procurador dos Augustos e
sua família.
O Santuário do Sol e da Lua e o Mons Sacer
O
locus sacer do Sol e da Lua implementava-se na época romana sobre uma
elevação rochosa de cerca de 40 metros sobre o mar. Situado no sopé do mons
Sacer (Serra de Sintra) é referida por muito autores da antiguidade, e mais
tarde designada por Cláudio Ptolomeu como “Serra da Lua”, inclui no seu
estreito junto ao mar o promontório Magno ou Olisiponense descrito por Plínio e
que o geógrafo denomina igualmente por “da Lua”.
Vista do Santuário Romano para o “mons Sacer ” (Serra
de Sintra) – Foto de Raul Losada
Plínio
refere ser esta a região da Hispânia onde se dividem “as terras, os mares e os
céus”, pelo que pela sua específica localização santuário do Sol e da Lua
assinalava e sacralizava os limites do Império ocidental.
Aqui
as diferentes formas se separavam, o Mundo mediterrâneo e o Mundo oceânico,
terminava a terra pisada pelos homens e se iniciava o vasto oceano, onde o
próprio sol se escondia, local privilegiado para o contacto entre o humano e o
divino.
Aqui
se encontra uma intencional forma de ligação entre culto astral e culto
imperial, operada num santuário carregado de simbolismo pela sua localização e
por certo herdeira de remotas tradições religiosas locais, quer ligadas ao
ciclo solar, quer ao culto à Deusa Lunar e salutífera nos Montes sagrados, da
Serra da Lua.
Vista do Santuário Romano para o promontório Magno ou
Olisiponense (Cabo da Roca) – Foto de Raul Losada
A
sua única função seria direccionar as protecções dos astros eternos e garantir
assim o bem estar dos imperadores, e do próprio império – A Roma Aeternae.
Assim
se justifica não se encontrar na epigrafia do santuário dedicantes particulares
ou mesmo magistrados municipais. Apenas altos dignitários Imperiais, que ali
representavam os próprios Augustus, e em favor dos quais invocavam os
grandes Luminares Celestes.
Fundação, desenvolvimento, apogeu, decadência e
abandono
Existem
três momentos que podem ter propiciado a fundação deste santuário em meados do
séc. II d.C.
Durante
o Imperialato de Antoninos Pius, que após a morte da sua mulher, promove a
emissão em 141/142 e, posteriormente, em 152 de moedas onde se faz figurar com
os atributos de Sol e da Lua, bem como a Faustina, assiste-se à assimilação do
casal imperial aos astros do dia e da noite.
Moeda de Faustina, Mulher do Imperador Antoninos Pius,
cunhada em Roma em 142 d.C. O reverso apresenta a Lua com sete estrelas.
(RIC 1199)
Durante
os últimos anos do Imperialato de Cómodo verifica-se que a ideologia privilegia
cada vez mais a astrologia, se bem que não o Sol e a Lua, mas as estrelas.
Foi
durante o reinado do Imperador Septímio Severo, época em que se assiste a uma
manifesta solarização do culto dos soberanos, que se ergueu no santuário a
única ara datável (200 d.C. – 209 d.C.) e de tão importante significado para a
compreensão da união simbólica entre a eternidade cósmica e imperial.
É
dificil apenas com estes elementos epigráficos datar de forma precisa a
fundação do santuário.. O paralelismo entre Antonino Pio e Faustina e Sol e Lua
parece apontar para a conjuntura mais adequada, e caso a ara de C. Iulius
Celsus, aludir efectivamente a Dacia Superior remete-nos para a mesma ocasião.
Contudo,
rigorosamente não se possui dados concertos, sendo a hipótese apontada por
Cardim Ribeiro a mais provável, e que propõe a fundação em meados do século II
d.C., com Antonino Pio, porventura em 148, ocasião em que Roma celebrava 900
anos de sua fundação.
O
desenvolvimento do Santuário terá sido sobretudo durante o reinado de Cómodo
(176 d.C.-192 d.C.), atendendo ao afastamento do Imperador Marco Aurélio a este
tipo de Cultos, e o seu apogeu deve ter-se atingido sob o imperialato de
Septimio Severo. Entra em decadência após Caracala.
O
santuário poderá não ter durado uma centúria, sendo abandonado em momento
indeterminado no segundo quartel do século III d.C., atendendo a que a Aeternitas
Imperii se diluísse na crise política que se acentuou a partir dos Severos.
Principais Inscrições romanas do Santuário
CIL
258 – Consagrada ao Soli et Lunae por Sextus (Ti)gidius Perenis, governador da
Lusitânia, em cerca de 185 dC.
CIL
259 – Consagrada ao “Soli aeterno Lunae” por D. Iun(ius) Coelianus, entre 200
dC e 209 dC
SMO/LR/55/26
– Inscrição de C. Iulius C. F. Quir. Celsus – Procurator provinciae
Lusitaniae dos finais do séc. II dC. consagrada ao Sol e ao Oceano e que
se expõe no Museu arqueológico de São Miguel de Odrinhas.
Recentemente
– Inscrição dedicada ao Sol e ao Oceano por um Procurador dos Augustos e
sua família, ainda em estudo pela equipa do Museu arqueológico de São Miguel de
Odrinhas (Sintra).
Linha de tempo
Século
I d.C. -Inscrição funerária da época de
Augusto, anterior ao próprio santuário, recolhida no local pela equipa do Museu
Arqueológico de São Miguel de Odrinhas, durante as escavações realizadas em
2008.
Século
II d.C. – Construção do grande santuário
dedicado ao Sol e à Lua e ao culto imperial.
Século
II d.C. (Cerca de 185 d.C.) -Inscrição romana
(CIL 258) – Consagrada ao Soli et Lunae por Sextus (Ti)gidius Perenis,
governador da Lusitânia.
Cerca
de 200 e 2009 d.C. (CIL 259) – Consagrada ao “Soli aeterno
Lunae” por D. Iun(ius) Coelianus.
Século
II d.C. (finais) – inscrição que poderá
provir do mesmo santuário, consagrada por Caius Iulius Celsus, «procurator
province Lusitaniae».
Século
XII – Época islâmica – Vestígios a um ribat
(“convento”), tendo sido identificado um conjunto arquitectónico
constituído por várias salas, destacando-se uma delas pela presença de um mirhab
orientado para Sudeste, virtualmente no sentido de Meca.
Século
XVI (inícios) construção da torre de facho,
utilizando parcialmente as estruturas islâmicas como “pedreira”.
1505 – O monumento é relatado pela primeira vez, através
da descoberta, por Valentim Fernandes ou Valentim de Morávia, de três aras
consagradas a Soli et Lunæ, Soli Æterno Lunæ e Soli Æterno,
que as descreve como sendo “três colunas de pedra cortadas em forma de prisma,
com uma grande quantidade de letras (…)”
1541 – Francisco de Holanda, é o autor do único testemunho
visual do santuário que chegou aos nossos dias, e que o desenhou de forma provavelmente
imaginativa. O desenho do santuário encontra-se na sua obra “Da Fábrica que
Faleçe ha Çidade de Lysboa“
Pormenor do desenho do santuário na obra “Da Fábrica
que Faleçe ha Çidade de Lysboa” de Francisco d’Ollanda
1593 – André de Resende estuda e publica o monumento na
sua célebre obra “De Antiquitatibus Lusitaniæ“
1861 – Emílio Hübner veio pela primeira vez a
Portugal, deslocou-se propositadamente a Sintra a fim de observar as inscrições
consagradas ao Sol e à Lua, provenientes de um santuário situado sobranceiro à
foz do Rio de Colares, e que este autor considerava como as mais importantes de
toda a região (Hübner, 1871, pp. 15-16). Porém, não conseguindo localizar as
epígrafes, já então desaparecidas, teve de se contentar em reproduzir no volume
II do CIL, sob os n.ºs 258 e 259, os respectivos textos e suas variantes apenas
com base nas antigas fontes impressas e manuscritas.
Séculos
XX/XXI -O arqueólogo José Cardim Ribeiro
publica vários estudos especializados sobre o Santuário e a sua
epigrafia. Destacamos o artigo «Soli Æterno Lunæ. O Santuário» em
Religiões da Lusitânia – Loquuntur Saxa, edição do Museu Nacional
de Arqueologia, 2000, (p. 235-239.) e “Soli Aeterno Lvnae”, 1995-2005,
Sintria, III-IV.
Actualmente
é Director do Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas (Sintra) onde se
encontra visitável a epigrafia romana referente ao sítio arqueológico.
2008 – A equipa do Museu Arqueológico de São Miguel de
Odrinhas iniciou uma intervenção junto das estruturas de uma torre de
facho de época Moderna. Confirmou-se a exsitência de um santuário romano
monumental. Nas escavações foi recuperada uma nova inscrição que atesta a
importância do local, sendo dedicada ao Sol e ao Oceano por um Procurador dos
Augustos e sua família. Para além daquela ara e de uma inscrição funerária da
época de Augusto – ou seja, anterior ao próprio santuário – foram recolhidos
outros elementos arquitectónicos romanos com alguma monumentalidade,
nomeadamente uma imposta moldurada, fragmentos de coluna, de ara e grandes
blocos de construção.
O Culto ao longo dos tempos
A
serra de Sintra e o cabo da Roca – que assinalam o verdadeiro finis terræ
do continente europeu – foram palco, desde tempos pré-históricos, de cultos
astrolátricos que se prolongaram durante o período fenício-púnico e a dominação
romana.
Estrabão
menciona que os povos celtiberos ofereciam sacrifícios a um “Deus sem
nome”, ao qual nas noites de lua cheia dedicavam danças colectivas até ao
amanhecer:
“Dizem
alguns que os Calaicos não têm nenhum deus, mas os Celtibérios e os seus
vizinhos do Norte oferecem sacrifícios a um deus sem nome nas fases da lua
cheia, durante a noite, em frente às portas das suas casas, e todas as famílias
dançam em coro durante toda a noite” (5,
Livro III, Cap. IV, 16).
Este
aparente culto astrolátrico dedicado à Lua em tempos pré-históricos parece ter
prosseguido ao longo dos séculos.
A
Igreja medieval chegou a condenar repetidamente o uso de amuletos em forma de
lua que parece ter atingido grande vigor na Serra de Sintra, cujo Cabo da
Roca marca o ponto mais ocidental do continente europeu.
Testemunhos arquitectónicos de época islâmica – O
Ribat
Durante
a intervenção arqueológica levada a cabo pela equipa do Museu Arqueológico de
São Miguel de Odrinhas foi ainda surpreendentemente identificado um importante
conjunto de vestígios de época islâmica, totalmente desconhecidos até então,
mas para os quais o topónimo Alconchel (al-concilium) parece apontar. Os
testemunhos arquitectónicos de época islâmica correspondem a um ribat
(“convento”), tendo sido, até ao momento, identificado um conjunto constituído
por várias salas, destacando-se uma delas pela presença de um mirhab orientado
para Sudeste, virtualmente no sentido de Meca. A presença de restos de
materiais de utilização quotidiana associados à ocupação islâmica é bastante
residual. No entanto, foram recolhidos alguns fragmentos de cerâmica com cronologia
do século XII que assinalam provavelmente a fase final de ocupação. De
salientar a grande quantidade de conchas, algumas ainda associadas a vestígios
de fogueiras, indícios do aproveitamento dos recursos marinhos disponíveis no
local. Para além dos edifícios, foi também identificada uma área de necrópole
com várias sepulturas, hoje sem qualquer vestígio de espólio arqueológico ou
osteológico no seu interior e que, tudo leva a crer, estarão associadas à fase
de ocupação islâmica do sítio. Na edificação das estruturas do ribat foram
utilizados múltiplos elementos arquitectónicos de época romana, onde se incluem
algumas inscrições, que testemunham a existência no local de um importante
santuário romano, para a existência do qual já apontavam os relatos de Valentim
Fernandes e de Francisco d’Ollanda, no século XVI.
Vestígios de época islâmica – O Ribat, foto de Raul
Losada
As
construções de período islâmico encontram-se, em muitos casos, bastante
destruídas devido à remoção de elementos pétreos de grandes dimensões, dos
quais muitas vezes apenas subsiste o negativo da forma conservado na argamassa
do alicerce onde assentavam, ou apenas as pedras mais pequenas utilizadas como
cunhas dentro das valas das fundações. Porém, alguns desses blocos de grandes
dimensões ou de melhor qualidade no talhe ainda se conservavam nas paredes. É
provável que a remoção daqueles elementos esteja relacionada com a construção
da torre de facho nos inícios do século XVI, quando as estruturas islâmicas
foram parcialmente utilizadas como “pedreira”.
Nota
Final
Através
deste texto onde pretendemos dar a conhecer um local que, do nosso ponto de
vista, tem características únicas. Trata-se de uma abordagem que pode conter
pequenos erros ou omissões, e vir a sofrer alterações dado que ainda
decorrem escavações arqueológicas no Sítio Arqueológico do Alto da Vigia e por
tal, ainda em estudo. Desejamos também homenagear todos os
arqueólogos que por ali passaram ao longo dos séculos, não podendo deixar de
fazer uma referência especial ao Dr. José Cardim Ribeiro pelo seu contributo
para o conhecimento da Epigrafia e da Arqueologia do concelho de Sintra e de
âmbito nacional.
Para
José Cardim Ribeiro vai também uma referência especial, pois sem o seu
contributo e apoio não poderia ter sido elaborado este texto central da
primeira Revista do projecto Portugal Romano, nº0 de Fevereiro de 2012,
tendo sido fundamental toda a bibliografia e textos que nos
disponibilizou que por diversas vezes aqui seguimos ou citamos.
IMPORTANTE: Caso visite o local, solicita-se o
respeito pela sinalização colocada, dado que o Sítio Arqueológico do Alto da
Vigia continua a ser intervencionado pela equipa do Museu Arqueológico de São
Miguel de Odrinhas pelo que não deve circular na área arqueológica.
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