sábado, 17 de março de 2012

“Margem de Certa Maneira”, notas de leitura. O “maoísmo” em Sintra

CARDINA, Miguel - Margem de Certa Maneira O Maoísmo em Portugal 1964-1974. Lisboa: Edições tinta-da-China, 2011. ISBN 978-989-671-105-4




Tese de doutoramento (Mar.2011) de Miguel Cardina, jovem investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Desenvolve atualmente um pós-doutoramento no Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas na Universidade Nova de Lisboa sobre as prisões de Caxias e Peniche no Estado Novo.


A primeira surpresa é a de como um jovem – 34 anos – que não viveu o período a que respeita o estudo, consegue tratar de forma tão profunda e intensa, mas sem dúvida isenta, um tema relativamente próximo e tão “marcado” no tempo, sobre o qual não existem referências documentais sistematizadas (certamente por alguma “vergonha” de muitos dos intervenientes que renegam essa intervenção). Julgo esta estupefação pessoal justificável por conhecer parte do assunto e algumas das personagens envolvidas.

Outro aspeto muito positivo é sem dúvida a fluidez, a forma escorreita e agradável da escrita, que torna um assunto aparentemente árido numa leitura muito apetecível.

Para além da excelente introdução, ela própria um agradável tratado sobre o tema e a “construção” do livro, o tema é tratado em duas partes, uma primeira – “O complexo da organização” –, assente no enquadramento do designado movimento “ML” ou “maoísta”, na descrição das suas origens e das múltiplas organizações que dele se reivindicaram, e o segundo – “A trama do imaginário” –, com a problematização de aspetos fulcrais da ideologia e das práticas do movimento.

A riqueza das notas e a bibliografia fazem deste estudo uma obra incontornável nesta matéria e na história contemporânea em si.

Para além de muitos outros aspetos mais diretamente relacionados com o tema do estudo em si, e por isso expectáveis à partida, três ou quatro que me despertaram especial atenção:

• A importância das fontes documentais orais, da “história oral”. O autor usou de forma intensa as entrevistas e depoimentos de muitos dos intervenientes, indicando-o de forma clara explícita, mas não deixando de expor o “contraditório”, as reservas que muitas correntes/opiniões possuem sobre esta forma de “fazer História”
• Os conceitos de “protesto disciplinar” e de “protesto antidisciplinar”, a inscrição oscilante do maoísmo entre estes dois tipos de radicalismo e a sua conexão com as noções de “crítica social” e “crítica artística”. O “romantismo revolucionário”
• A importância e papel do anticolonialismo na “definição de águas” do movimento comunista nacional
• O revolucionário em construção. A “implantação”, a ligação ao povo, a “moral proletária”
• A arte da política e a cultura popular
• A questão do porte na prisão (o radicalismo maoísta – e não só – no seu pior?)

A reter ainda o “Mapa das organizações ‘Marxistas-Leninistas’ e maoistas em Portugal” (pág. 145); sobre diagramas dos movimentos da chamada extrema-esquerda apenas conheço mais dois exemplares: em exemplar da revista “História” de 1980 e na publicação da “Visão História” n.º 9, de Julho de 2010.




Das Conclusões retiramos a última frase: “Mais do que percorrer os trilhos organizativos inspirados por uma dada ideologia política, tratou-se aqui de mostrar como ela, ao mesmo tempo que bebia de aspetos comuns de matriz internacional, assumiu particularidades significativas associadas à especificidade do país, tendo contribuído de forma não despicienda para a quebra da hegemonia a que o Estado Novo assistiu no seu troço final.”


No que respeita à implantação e desenvolvimento de atividades dos “movimentos maoístas” no concelho de Sintra, existem várias referências neste estudo, de que destacamos rápida e sinteticamente (com ordenação geográfica – lista não exaustivo):



• Albogas (p. 258) – local onde existiu “casa de retaguarda” de militantes do CMLP-Comité Marxista-Leninista de Portugal
• Algueirão (p.117) – local de realização de reunião preparatória da fundação da URML- Unidade Revolucionária Marxista-Leninista
• Azenhas do Mar (p. 48) – local de realização de treinos com cocktails molotov dos GAP-Grupos de Ação Popular (criados pela FAP-Frente de Ação Popular, frente do CMLP-Comité Marxista-Leninista Português)
• Belas (p. 49) – morte de informador da PIDE, facto que levou à prisão até 26 de Abril de 1974 de Francisco Martins Rodrigues
• Cacém (p.133) – implantação dos CCR (m-l) -Comités Comunistas Revolucionários na fábrica CERGAL
• Fontanelas (p. 134) – local onde militantes dos CCR (m-l) -Comités Comunistas Revolucionários foram capturados pela PIDE
• Mem Martins (p. 85, 133) – implantação do MRPP-Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado na fábrica MESSA; implantação dos CCR-Comités Comunistas Revolucionários na MESSA
• Queluz (p. 107) – cooperativa em Queluz onde “O Grito do Povo” desenvolveu trabalho de agitação e propaganda
• Sabugo (p. 133) – implantação dos CCR (m-l) -Comités Comunistas Revolucionários na fábrica SIEMENS e FÁBRICA PORTUGAL
• Sintra (p. 90) – cooperativa de teatro em Sintra onde o MRPP-Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado teve implantação

De figuras proeminentes do movimento residentes no concelho destacamos apenas dois, já falecidos: Francisco Martins Rodrigues – “Campos” (1927-2008), o incontornável teórico de todo o “maoísmo” português” e Acácio Barreiros (1948-2004), líder dos CCR (m-l) -Comités Comunistas Revolucionários, que viria a ser deputado pela UDP-União Democrática Popular e presidente da Assembleia Municipal de Sintra pelo PS-Partido Socialista.


PS: Numa vista de olhos na Net para encontrar a imagem da capa do livro, acabo de saber que “o investigador do CES Miguel Cardina venceu a 20.ª edição do ‘Prémio de História Contemporânea Dr. Victor de Sá’, atribuído pelo Conselho Cultural da Universidade do Minho, com um estudo sobre a extrema-esquerda de inspiração maoísta em Portugal.”

Resumo do estudo pode ser obtido em https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/15488.

1 comentário:

  1. Juntaria às acções citadas no Concelho de Sintra, as seguintes, todas dos CCCRM-L:
    - constantes do livro: na cooperativa Proelium de Queluz (pag. 341);
    - Não constantes, por deficiência do autor Cardina: nas fábricas Sotancro (Venda Nova)e Jhonson&Jhonson (Queluz de Baixo), assim como em cooperativas operárias da Várzea (Sintra) e Venda Nova

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